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Resenha - a máquina de fazer espanhóis

  • Juliana
  • 7 de mar. de 2017
  • 2 min de leitura

Escrevo o título assim mesmo, em letras minúsculas, pois é a forma como o autor, Valter Hugo Mãe, escreve ao longo de todo o livro. E foi justamente essa escolha de representar um mundo que está perdendo a metafísica, um mundo sem letras maiúsculas, a primeira coisa que me prendeu nesta obra.

Valter Hugo Mãe é um escritor da nova geração portuguesa que vem sido aclamado pelos leitores e premiado pela crítica. Nunca havia lido nada dele, então resolvi começar pelo a máquina de fazer espanhóis por indicação de amigos. E que livro, meus amigos! A escrita é intensa e muito carregada, apesar disso a leitura flui muito facilmente...

O personagem principal é António Jorge da Silva, o senhor Silva, um idoso de 84 anos. A formação e a complexidade desse personagem é incrível. Ele perde a sua esposa, a Laura, e com isso vê subtraída toda a metafísica de seu mundo. Acontece que ele ainda a ama muito e necessita dela para uma vivência equilibrada. Sem ela, já não vê sentido em continuar prolongando os dias, e apenas deseja a morte, o que seria o fim da sua existência, já que não acredita que exista algo após a morte.

com a morte, também o amor devia acabar. acto contínuo, o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutrira pela pessoa que deixou de existir. pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade.

A sua angústia (palavra-chave da narrativa) é aumentada pelo fato de ter sido mandado pela filha para viver em uma casa de repouso, vulgo asilo, o Feliz Idade, nome que soa sarcástico ao senhor Silva.

Contudo, em meio a tanto sofrimento por ter perdido a esposa e a independência, o senhor Silva ainda vai viver profundas descobertas sobre a vida, o tempo e a amizade. Tudo costurado com lembranças do passado, da vida familiar com Laura e do contexto político do regime fascista de Salazar.

Uma das coisas que amei nesta obra é a intertextualidade com o poema Tabacaria, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), um dos meus prediletos da vida... Dentro do lar Feliz Idade, o senhor Silva vai se encontrar com o Esteves sem metafísica do poema, que, por ironia e sarcasmo, é cheio de metafísica. A importância disso para o personagem principal e as reflexões que saem daí acabam por nos indicar o sentido do título.

naquela altura eu tinha de gritar. precisava de dizer que me arrependia, que não queria acabar sem metafísica, que me enterrassem com a metafísica e português.

Este é um livro que adorei, indico fortemente para quem procura uma história profunda, com uma linguagem muito poética, mas bastante angustiante.

 
 
 

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