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Resenha - A Hora da Estrela

  • Juliana
  • 23 de jun. de 2017
  • 4 min de leitura

Figura recorrente nos vestibulares da UFRGS, A Hora da Estrela é o livro mais aclamado de Clarice Lispector. Publicado pela primeira vez em 1977, foi o último livro lançado pela autora antes de sua morte.



Apesar de curto - caracteriza-se mais como novela do que como romance - é profundo e complexo, refletindo sobre a condição humana e sobre o próprio ato de escrever. Além disso, apresenta as principais características da obra de Clarice, como a introspecção, a não linearidade do enredo, o fluxo de pensamento e o foco no tempo psicológico dos personagens...


É interessante que, ao abrirmos o livro, vemos que a autora propõem uma série de outros títulos que de certa forma definem a personagem central e anunciam o que há de vir na história.



O eixo principal da trama é a migrante alagoana Macabea que, sem família e sem grandes perspectivas, vive desajustada na cidade do Rio de Janeiro. Quem nos conta essa história é o narrador identificado como Ricardo S. M. Ele se funde à escritora, interferindo na trama e nos levando à uma reflexão metalinguística sobre a escrita e os meandros da criação literária.


"Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias."


O livro começa justamente com o narrador falando sobre a necessidade de contar essa história, como encarar a crueza do que quer expor. Assim, ele vai aos poucos construindo Macabea, uma mulher marginalizada de todas as formas, uma jovem cujo corpo não desperta desejos, que não tem ambições, que está tão alheia a tudo que não se dá ao luxo nem de sofrer. Ela é tão insignificante para a sociedade que nem mesmo ela se percebe como merecedora de algo bom.


Macabea mora em uma pensão dividindo o quarto com outras quatro moças, todas com nome de Maria e todas trabalhando nas lojas Americanas. Elas são tão invisíveis para a sociedade quanto a personagem principal, mas nem entre elas Macabea é alguém.


Contudo, este ser humano sem fibra, que apenas obedece, acaba chamando a atenção de Olímpico de Jesus, outro nordestino pobre que, pela malandragem e pela solidão, aproxima-se dela. Os encontros dos dois são sempre desajeitados, eles nunca têm sobre o que conversar, mostrando o vazio das suas vidas e das suas ideias.


"Maca, porém, jamais disse frases, em primeiro lugar por ser de parca palavra. E acontece que não tinha consciência de si e não reclamava de nada, até pensava que era feliz."


Olímpico trata Macabea de forma a rebaixá-la e, sem remorsos, troca a moça por sua colega de trabalho, Glória, uma carioca, filha de açougueiro (profissão que fascina o rapaz) com cabelo pintado e muito mais massa corporal que Macabea.


Apesar de tudo, Macabea tem uma diversão na vida. Uma vez por mês, quando recebe o salário, vai ao cinema. Em uma passagem do livro, ela chega a comentar com Olímpico o seu único sonho: ser uma artista de cinema como Marilyn Monroe, o que ele trata de ridicularizar.


Um dia, querendo explicar o roubo do namorado da outra, Glória conta que foi uma cartomante quem disse que Olímpico seria dela. Assim, incentiva Macabea a ir a uma consulta com essa cartomante, Madame Carlota, e até empresta o dinheiro. Nesta consulta, ficamos sabendo sobre o passado da cartomante, que fala muito de si. Carlota vai jogando as cartas e vai acertando tudo sobre a vida da nordestina. Sobre o futuro, a cartomante dá as melhores notícias, com a chegada de muito dinheiro e de um homem estrangeiro, que lhe dará muito amor e as melhores roupas.


"Madame Carlota (explosão) era um ponto alto na sua existência. Era o vórtice de sua vida e esta se afunilara toda para desembocar na grande dama cujo ruge brilhante dava-lhe à pele uma lisura de matéria plástica."


Pela primeira vez na vida, Macabea se sente feliz, com um futuro pela frente. Sai da casa da cartomante sentindo-se "grávida de futuro", quando, ao atravessar a rua, é atropelada por uma Mercedes que nem ao menos estaciona para prestar socorro. E assim, de forma crua e irônica se acaba a vida da nordestina, ainda acreditando que as previsões da cartomante estavam começando a se cumprir, pois o carro era de alto luxo...


"Morta, os sinos badalavam mas sem que seus bronzes lhes dessem som. Agora entendo esta história. Ela é a iminência que há nos sinos que quase-quase badalam."


Dessa forma, Ricardo S. M. nos mostra uma pessoa que é muito simples, que tem alegrias bobas, muito frágil diante da dureza urbana do Rio de Janeiro e dos outros personagens que interagem com ela. O narrador consegue transferir o sentimento de angústia que é a vida daquela mulher, a história da miséria anônima que caminha todos os dias pelas grandes cidades.


"Que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só."


Indico este livro não somente para quem prestará vestibular, mas para todos que queiram conhecer uma obra-chave na carreira de uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira.


 
 
 

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