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RESENHA - Digam a satã que o recado foi entendido

  • Juliana
  • 18 de mai. de 2017
  • 3 min de leitura

Digam a satã que o recado foi entendido (2013), de Daniel Pellizzari, é um livro escrito sob encomenda para a coleção Amores Expressos, da Companhia das Letras. A coleção, criada em 2007, funcionou assim: cada escritor foi mandado para uma cidade do mundo com o objetivo de escrever um romance. No caso de Pellizzari, ele foi mandado a Dublin, capital da Irlanda.



Se a polêmica que envolve obras feitas por encomenda nos deixa com um pé atrás em relação a este livro (pode-se encomendar a criatividade?), o título e a capa nos atraem irresistivelmente. Aliás, todas as capas desta coleção são simplesmente lindas! Por ser de um autor que eu gosto e por se passar em Buenos Aires, ainda quero ler Cordilheira, de Daniel Galera.


A história de Digam a satã que o recado foi entendido se dá pelo cruzamento de diversos personagens, a maioria imigrantes, o que nos dá muito mais uma perspectiva estrangeira de Dublin… Aliás, neste livro, Dublin é o reflexo desses personagens, com suas identidades fragmentadas. Contudo, o fato de eles estarem sempre bebendo e indo a pubs parece uma forma bem estereotipada de lembrar o leitor de que a história se passa na Irlanda.


Muitos personagens têm voz e assumem a narrativa. O primeiro deles e, digamos, o principal é Magnus Factor (que nome é esse? Para mim isso era um modelo de guitarra). Ele chega a Dublin com o intuito de passar pouco tempo, mas acaba por se envolver com Stefanija, garçonete eslovena que o atende na lanchonete que serve o melhor milk-shake do mundo, segundo Magnus. Ficando na cidade, ele funda uma agência de turismo que faz passeios por lugares mal-assombrados (todos inventados) junto com o irlandês Barry e os imigrantes Zbigniew (Polônia) e Seewoosagur (Ilhas Maurício).


Barry, um malandro machista e xenófobo que se acha muito esperto, é um dos que assumem a narrativa da história. É impressionante a forma como Pellizzari consegue ajustar a narrativa ao personagem. De repente o leitor entra em uma fala muito diferente da do personagem anterior, a mudança de ponto de vista também muda a linguagem. Na minha opinião, este é o ponto alto do livro! Porém, com relação à linguagem utilizada por Barry, meu estranhamento foi mais pelo estilo periferia brasileira, será que um malandro irlandês falaria de forma equivalente a um Zé Pequeno?


Há muitos outros personagens de quem falar, mas, para mim, o mais interessante é Patrícia. Ela é uma menina de 13 anos que foge de casa buscando uma montanha com neve onde pretende morrer. No caminho, acaba sendo encontrada pela seita de Demetrius Vindaloo. Essa seita é a coisa mais estranha do mundo, uma mistura de mitologia celta com alienígenas!


Apesar da diversidade de personagens e de vozes, o panorama geral é sempre de derrotismo. Dublin se torna um palco sombrio onde os personagens da trama extravasam suas obsessões e suas loucuras. Naturalmente, isso me lembrou de James Joyce, provavelmente um recurso proposital de Pellizzari. Neste cenário, nós somos os espectadores de suas desventuras, devorando as páginas do livro para ver a que limite eles podem chegar.


No final da trama é que vamos entender as narrativas paralelas, pois é aí que as histórias (algumas aparentemente desconexas) se encaixam, e o leitor pode finalmente respirar. Digam a satã que o recado foi entendido apresenta uma leitura rápida que, apesar de tudo, nos faz até rir em alguns momentos. É difícil parar de ler este livro, pois ele é irritante e envolvente ao mesmo tempo. Os artifícios do autor são muito bons e você fica preso, tudo o que você quer é chegar ao final; não é o tipo de livro que deixa aquela vontade de ir lendo devagar...


Voltando ao início desta resenha, onde fica o “amor” da coleção Amores Expressos? Não sei! Acho que o autor quis retratar um lugar e uma geração muito confusos e obviamente atuais, onde as relações são de fato “expressas”.


"Uma horda ávida por tagarelar sem ponderação alguma, emitindo opiniões compulsivas sobre qualquer coisa, como se esse desespero servisse para confirmar sua existência."


 
 
 

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